Intermitência: vida e morte
Algo
surge quando do último suspiro.
É
uma augusta vida que se esvai entre os dedos do tempo.
Um tempo psicológico que não tem presente
irreal, apenas um instante real; esse tempo instalado pelo padrão emocional
abalado por uma situação que foge totalmente ao seu controle.
Não,
os meus olhos não veem a vida que se vai. Apenas imagina um corpo que cai na
sua sina.
Um
corpo leve, lívido, treme num instante do último folego que não mais vale a pena.
Algo
que surgiu no último instante foi ter visto tudo que foi feito em uma vida se
transformar em uma corrida de segundos. Um cala boca monumental, que de tão
grande verdade, se equipara a um terremoto global. Um passar banal na imensidão
da eternidade.
Mas ainda não foi sua última respiração,
não!
Foi
ainda um olhar no mundo das ilusões, uma factível enrolação do tempo, um engodo,
que todos em algum momento passam; mas para ele nunca é uma simples resposta e
nem tudo o que parece é.
Mas
se trata em dar ao nasci morto (porque nascemos para morrer) uma oportunidade
de fixar o aprendizado.
De
tentar fazer esse aprender algo, que antes era um tempo não morto, porque o
tempo sempre vai ser o limite que colocamos nas ações que nós programamos.
O fazer,
em realidade, é um desejo de cumprir algo que não suportamos em não realizar,
mas realizamos! Para que todos possam ver o feito; e nós podermos ver o efeito
de algo que fazemos nos outros e conseguirmos ser vistos como os melhores, e
sendo, poderemos mostrar quem somos, e com esse poder na mão, dominar os outros
e realizarmos os desejos mais primitivos.
Escondemos tão fundo o saber dessa morte que o
recordar desse tempo nos traz um empoderamento que não queremos ter, que é o de
saber que a vida não nos pertence e que vamos uma hora que não sabemos qual
seja. E sabendo disso, ocorre um rompimento que dilacera o desejo, e os transforma
em sentimento primitivo.
Algo
como: queremos matar esse sujeito!
O
tempo pai e mãe de todos fala assim:
__ Filho!
Diz uma
voz em sua cabeça.
__. Agora estou deixando que domines a ti
mesmo. Tereis alguns instantes. Será para ti como se fosse uma eternidade, para
que tu possas refletir e aprender. Então, tentes não pensar em bobagens, reveja
o que viveste desse lado da vida, para e quando voltares, poderes viver melhor os
anos que te darei novamente.
Quando
chegares deste lado deves lembrar e reviver algo de teus fracassos, e
reencontrar algo de teus sucessos, guarda em teu interior tal alento, para quando
partires do mundo que tu deixas com uma única resiliência.
__ A
voz diz
Quais
são tuas vitorias!? Reflita!
Agora
vai, começa teu limitado devaneio em busca de afago e afeto e veja se deste algo
aos que estiveram contigo nessa viagem. Nas tuas memórias, nos teus retratos
que deixaste para trás, verás que tudo que fizeres não foi por amor ao outro, e
sim por ti mesmo, no egoísmo sem receio de tal sujeito que se incumbiu apenas
de si; trata de guardar fundo na memória essas lembranças e transforma num
construto futuro. Assim terás alguma reminiscência do teu passado e de quem
realmente foste. Saberás sobre te mesmo e compreenderás sobre quem ficou contigo
e sobre o porquê de tudo isso.
Não
ignores quem foste tu, porque esse aprendizado valera para teu futuro
novamente.
__ e
refletindo ele fica!
Quando
comecei essa viagem não me reconheci não
encontrei no espelho quem deixei.
Esse não sou eu, não me reconheço.
Quem
sou?
Serei
eu mesmo?
Quem
fui?
Que
fiz?
Por
que tantas perguntas? e esse sentimento de desprezo.
Desprezo
por mim mesmo ou pelo outro que reflete agora?
Não
sei!
Não
realizei!?
Fui
pai e muitas vezes mãe?
É
verdade que não foram meus filhos biológicos, mas dependeram todos de mim, do meu
dinheiro..., eu os criei, eles comeram e compraram do que meu dinheiro comprou.
Quem
és tu? Que poder tens?
Para colocar-me
diante de um ser que não sou.
Onde
estão minhas conquistas?
Onde estão
meus apreços e os que ajudei com recomeço!
Não
sou quem me mostras, não sou!
Sou
mais magro e cabelos um tanto esvoaçado. Sou mais alto e um tanto curvilíneo,
de tantos anos de exercícios para ser mais bonito para mim e para todos.
Ó
espelho meu! Onde estás tu, rosto dourado?
Meu
rosto é bonito e harmônico; não sou carrancudo e nem tenho semblante raivoso e
tão tristonho.
Esse
não sou eu!
Quero
que me digas agora porque colocaste a frente de tal pessoa feia e triste?
Não
consigo respirar, estou morrendo e não consigo chorar, estou com raiva e mal
consigo pensar. E tu morte a espreitar-me aqui ao lado de uma cama dura fria
num respirar que me traz náuseas.
Por
que não levas outro?
Por
que tão poucos aqui no meu leito, se tive tantos ao meu lado e sempre fui bajulado
e prestigiado?
Não
estou aniquilado!
Não
entendo, não encontro resposta para tanta ironia com minha vida rica e repleta
de amigos e amigas minhas.
Onde
todos estão?
Onde
se encontraram?
Mais
ar, não consigo respirar!
Ó
deus, valei de mim!
Alguém
chega e entra no quarto.
Obrigado
por vir.
Não
enxergo. Por que?
Quem és
tu que nessa hora chega?
Quem foste
tu que ontem fez o mesmo?
Sei
quem és pelo cheiro, mas quem tu és?
É
um cheiro que conheço, que tive um começo, mas está tão distante esse reconheço
que não me atrevo a enfrentar. E esse frio que percorre minha espinha me adverte
de um medo primeiro, porque esse desespero por não saber quem és tu, teu rosto
não consigo alumiar.
Estás
de branco, um branco de rara beleza.
Ou
será meus olhos cansados?
Apesar
de corpos negros te envolver, ela ainda assim se parece salvadora minha.
E
essas sombras quem são?
Não se
movem em vão!
Será
que são vivas ou apenas uma ilusão de minha cabeça cansada de muitas noites não
dormidas?
Com
tanta amargura no coração que se transforma em ilação.
Owww...
não sei, não sei!
Hoje
você volta e traz algo que não queria ter que pensar, já que é um ter que agradecer
e que me deixa no limiar de meu cansado pensar.
__ Continua
ele!
Sempre
fui senhor de mim!
Ontem
quando ela chegou, senti uma brisa que me levou a um tempo que não me recordo,
ou não quero recordar, mas sei que existiu. Apesar de não querer acreditar.
Já
que tudo que me leva ao passado, me traz ao presente imediato. Nesse instante, eu
não sou mais esse que foi aquele que estava no passado distante. Não quero ser
esse que viveu um passado de remorsos por não ter tido um adormecer tranquilo.
Não
sou assim!
Vivo
meu presente sempre numa realidade que fiz na lida de minhas verdades e não nas
suas ao de outras.
Não
sou assim!
Nunca
terei um remorso sequer, não viverei em uma cama de hospital com lamentações de
uma situação que não fiz, ou se fiz, não reconheço arrependimento.
Não
sou assim!
Mas
esse cheiro, quem és, porque me atormentas?
Minha
vida sempre foi cercada de pessoas que me usavam para conseguir algo, ou usando
minha influência como escada para outras escaladas.
Não
quero recordar tais assuntos que só me trazem dor!
Quero
mesmo uma deslembrança de tudo e de todos sem dor, algo sem uma porção de calor
humano, um desamor.
Quero
uma solução que me cause uma síncope mental, de um sofrimento real. Só assim me
recuperarei, ao menos assim penso.
__ ele
continua a refletir quando algo surge.
...,
passando vi, olhei, andando continuei. Quando parei não vi que já tinha ido, e
o que pensei foi que quando não cheguei, foi o que perdi. E tudo que se foi
naquilo que tanto desejei, foi uma longa espera inútil por tudo que queria ter
e não consegui. O desejo antes se transforma em medo de perder o que estava em
quase ter.
Ainda
assim não sei dizer se o que queria era só um desejo ou apenas uma fuga minha.
Um
querer ter o que todos desejam. Mas o meu desejo era querer ter os desejos
deles. Aquele que usurpa os sonhos alheios.
Mesmo
saindo do casulo, quando me dou conta encontro-me em um outro esconderijo. E porque
esse impulso me leva novamente a um lugar escuro quase um absurdo nulo? Quero
me libertar e não encontro um lugar que seja meu.
Esse
lugar parece um obstáculo a me sugar, uma energia que apenas me impede de
seguir. Mas percebo que sou eu que não me deixo sair. Meus pés estão fincados
no chão, e ficando, permaneço preso com a escuridão.
Minha consciência é meu algoz?
Minha consciência é meu algoz?
Não
sei, não sei!
Mas
esse esconderijo está apenas alguns centímetros de mim mesmo. Um de mim quase
sem rosto, como um busto, na verdade, como meus traços mais sem vida e sem
desembaraço. Um abuso pensar assim!
Já que
me conheço o suficiente e não procuro um esconderijo, não sei o porquê disso
tudo, mas sei que não foi só um impulso.
...,
e de dentro olhei e quando vi foi uma surpresa que quase não gostei. Era um
sujeito tolo, quase infantil, que queria ser protegido, guardado e querido, mas
não era só um medíocre, era também um rapaz atraente de semblante cativante e
um tanto dominante que cativava a todos e que era sorridente, um sujeito
elegante, forte e sereno, um olhar quase ingênuo, mas mesmo assim um indolente
quase ‘’nascente terminal’’. (Pessoa que nasce e morre sem ter realizado nada)
Um
tipo: me gosto, mas mais me admiro.
Não
sei de onde tudo isso saiu, não sei por que saiu e nada sei como compreendi. Só
sei que de alguma razão se tratava de mim, esse sujeito estranho, um tanto
medíocre, mas capaz, quando era necessário, existiu em mim.
Essa
verdade começa a espreitar-me a mente e com ela fico doente e sem ela fico um
sujeito incipiente.
Não
sei! Não sei!
Ahhharrr,
quero um pouco respirar, que falta me faz um pulmão a mim secundar.
Estou
me sentindo cansado, com o corpo aquebrantado. Ainda assim, não paro de pensar
e de ver tantas pessoas na minha retina, tão fundo, que mal posso vislumbrar.
Quem são e porque razão eles estão surgindo nesse desvão de meus pensamentos e
me corroendo essa tranquilidade de morte aparente?
Não
sei! Não sei!
O
amanhecer, ohhh amanhecer tu que sempre foi meu querer, estiveste comigo a lembrar-me
que o hoje poderia sempre eu renascer e mudar os devaneios, desvarios de um dia
desvelado a anoitecer.
___ele
continua suas reflexões.
Hoje
me encontro um tanto menos sofrido e um pouco aberto a meus pensamentos
fugidos. Ontem foi uma terrível maldição ver todas aqueles que estavam em meus pensamentos
e sonhos.
Hoje
ainda acordo com essa sensação de que não sei quem são essas pessoas e apenas
posso de aqui sofrer e dormir.
...,
uma mulher surge em meus pensamentos e ainda sinto de dentro dela meus olhos
junto com os dela a olhar todos naquela casa estranha.
Uma
moça bonita com ar de alegria quase juvenil em meus braços, a acariciar meu
peito. Um amor
quase doente a inundar meu corpo querendo sentir o dela no seu todo atraente,
mas uma proibição que corroía meus sentimentos.
Ela
se despede e fico com todos aqueles estranhos a beijar-me a face e apenas a
acompanho com os olhos meus os passos seus, a entrar no carro e sair de meu
alcance.
Quem
são essas pessoas?
Não
sei! Não sei!
Como
saber o que é real, e o que, não é?
Lembro
de subir essas escadas, ver uns quadros na parede postos, papel de parede
refinados de bom gosto, pratos na mesa de um repasto bem aproveitado por todos.
Para sobremesa, vários tipos de doces.
Ainda
sinto o aroma que penetra em minha mente excitada e saturada pela mistura. Que satisfação!
Mas
estou triste pela partida, e essa escada, tão longa, enfim, chego em um quarto
bonito muito sóbrio. Não gosto! Parece que não tem nada dela, ou melhor, de mim.
Não sei dizer quem pensa, se ela ou eu, mas enfim.... Esse quarto não diz nada
sobre de quem é. Ela senta na beirada da cama, baixa a cabeça e pensa na moça donzela
de olhar doce e um quê de impaciente, ingenuidade patente.
Mas
ela a ama? Como pode amar outra mulher?
Ela levanta,
anda, e acha ao lado de uma porta, algo que parece um armário da mesma cor da
parede do quarto. Abre a porta, abaixa-se estende a mão e encontra uma arma.
Não...
não faça isso não!
Ela anda e vai até o banheiro e lá encontra uma
cadeira de frente ao seu espelho e se coloca bem sentada. Não pensa em nada,
apenas lembra do rosto da moça donzela e aperta o gatilho.
Acabou.
Tudo se foi, o desenlace terminou.
E ele
continua com suas perguntas!
Quem és,
e porque fizeste tal desatino contigo? Por que fez uma loucura por outra que
nunca te viu como igual? Que mente é
essa que acaba com a vida por quem não merece, e que nem foi reconhecida.
Porque
fizeste isso a ti?
Quem
foi essa que nunca te olhou e nem um lagrima derramou?
Onde
foi parar teu par?
Para onde
foram teus filhos que esqueceste de ninar?
Não foram
eles teu alento?
Tudo
foi um sofrer na tua vida?
Um rumo
sem definição, uma tal ilusão, que no final foi uma sofreguidão.
Um tempo que foi te trazendo um sofrimento que
achas que não mereceste?
E você cai de joelhos no tempo que te fez
primeiro.
Uma
morte em vão. Digo assim por você e por mim.
Tantos
sonhos a realizar numa vida a desbravar.
O
que te fez fazer, tão desastre, a teu corpo inundado de amor? Esse amor que tu
prometeste a ela e ela não te cedeu e tão pouco conheceu. Um amor de olhos nus
e nulos de corpos. Um amor doente de físico e forte na mente não é um amor autentico
e sim um reconfortante remoço latente.
Essa
ação não foi minha!
E
se acho isso, porque está na minha mente?
E
essa dor que cala minha alma, reflete um desatino na carne dilacerada.
E
esse cheiro? Esse perfume? Quem és?
Quase
te reconheço! És tu minha salvadora. Essa mulher de branco que me cuida com formosura,
com tanto apreço e esmero, como tanta ventura, que chega a parecer que me ama
feito uma pessoa que viveu a meu lado. Por que fazes assim? Quem és tu?
Que
não fica longe de mim.
Esse
cheiro! ohh deus meu! És tu a moça donzela que agora está aqui e me acompanha
nessas últimas horas.
Oh Deus que fizestes por mim!
Oh Deus que fizestes por mim!
Colocas-me
assim nesses últimos segundos de vida e me mostra tantos de mim, que tantas
alegrias tive que não foram verdadeiras e sim tormentas sem fim.
Não
tive felicidade sincera apenas uma aparência singela. A verdade foi para mim
uma lógica cartesiana nua e crua aos meus olhos, e sempre consegui desviar para
desvirtuar. Assim foi sempre comigo, e sendo assim, fiz-me um sujeito único, um
egoísta, um sujeito que fazia tudo para conseguir e conseguia.
Hoje,
esse tempo que me destes, foi o tempo mais precioso que tive e que agora levo
comigo junto ao meu cipreste, onde cresci e de onde são meus únicos momentos de
mais augustas fraternidades sinceras.
Vivi
esses dias nessa cama tardia porque ela deveria ter sido meu socorro primeiro,
quem sabe poderia ter tido uma coragem que hoje sei que não tive, e ter
aprendido algo sobre mim mesmo. Não pude encarar-me de frente, não pude encarar
minhas verdades, a de que fui um patife covarde.
Hoje
vos agradeço essa oportunidade.
Obrigado
meu Deus. Agradeço-vos a vida que me deste. Mais ainda a tudo o que me sucedeu.
Vou levar tudo que me transcorreu e tentar encontrar essa coragem que de mim se
esqueceu.
Obrigada
meu deus.